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‘MATARAM O PRESIDENTE: UMA FANTASIA POLÍTICA E OUTROS TEXTOS’, DE BERNARDO KUCINSKI

Por Luciana Coronel

Mataram o presidente: uma fantasia política e outros textos (Editora Polifonia, 2024) é uma publicação notável por muitos motivos. Antes de mais nada, trata-se do romance de estreia de Bernardo Kucinski, ignorado por muitos anos pelos estudos literários, que atribuíam a K. (K.: relato de uma busca, em algumas edições), publicado em 2011, o primeiro momento ficcional da carreira deste jornalista, professor universitário, que desempenhou o papel de assessor do presidente Lula no mandato inicial, entre outros trabalhos.

Consagrado pelo valor literário e relevância política, sucesso de público e de crítica, K. afirmou no ofício de escritor um homem cuja extensa trajetória profissional invariavelmente pautou-se pelo compromisso com os dilemas de seu tempo. Mas Mataram o presidente é de fato sua primeira narrativa ficcional longa. Os nove capítulos da história foram publicados separadamente na seção de cultura do jornal ABCD maior, de São Bernardo do Campo, entre os dias 26 de outubro e 22 de dezembro de 2010. Cada capítulo contava com uma ilustração de Enio Squeff, artista que a seguir colaboraria na primeira edição de K. e seguiria, por meio de suas ilustrações, compondo as capas dos subsequentes livros de Kucinski.

A circulação restrita do jornal, cujas atividades encerraram-se pouco tempo depois da divulgação do texto, contribuiu para que a narrativa policial inaugural permanecesse desconhecida de críticos e leitores. Deve-se a Weverson Dadalto, estudioso empenhado na leitura crítica e divulgação das obras do autor, o resgate do folhetim, agora divulgado em formato de livro, que mantém as ilustrações originais de Enio Squeff, trazendo ainda prefácio e notas explicativas de sua autoria. “Trata-se de um texto muito significativo para a compreensão do conjunto da obra de Kucinski”, afirma o prefaciador. “A sátira política resulta da percepção aguda da atuação das forças antidemocráticas em um período supostamente democrático”, acrescenta o mesmo no texto de abertura do volume.

Mataram o presidente aborda a morte do presidente da República em virtude de um atentado político tramado por grupos que não admitem perder poder: elites econômicas e empresariais, políticos interessados em defender seus interesses privados e os setores sociais privilegiados que representam, poderosos conglomerados midiáticos e companhias multinacionais ligadas à exploração do petróleo brasileiro. Nesse cenário golpista, paira a presença dos militares, sombra que turva permanentemente o céu da democracia brasileira. Diz a certo momento o investigador protagonista: “estamos aqui agora para desbaratar um golpe sujo contra a democracia”.

Seria então a capacidade de prever pela via da imaginação o turbulento cenário político que assolaria o Brasil uma década depois, no contexto que se seguiu à vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, outro dos motivos que atestam a importância da obra no horizonte do presente. Mais ainda ela afirma sua força simbólica de resistência aos gestos e práticas que atentam contra a vigência do Estado democrático de direito no país após as recentes divulgações de detalhes da trama golpista, obtidos pela operação Contragolpe, que revelou ao país a intenção de aliados do grupo derrotado, junto a militares de alta patente, de assassinar o presidente, o vice e também o presidente do Supremo Tribunal Federal.

Outro atrativo do volume deve-se à inserção no mesmo de duas importantes conferências de Kucinski: “Sobreviventes: marcas das ditaduras nos direitos humanos”, proferida em 27/01/2010 em Porto Alegre, e “Como virei escritor depois de velho,” realizada em 7 de dezembro de 2023, em Vitória. Consta ainda da publicação o instigante relato “Porque eu escrevo?”, divulgado em 2013 no jornal Unidade. Trata-se, portanto, de um texto que não apenas antecede a futura produção ficcional do escritor, como ainda antecipa temas e tópicos que retornarão reelaborados no interior de K. E de outro que constitui o mais recente testemunho de Bernardo Kucinski, emoldurando ambos a extensa caminhada do autor, que espera-se seja ainda longa e profícua.

Por essas e muitas outras razões, recomenda-se a leitura de Mataram o presidente: uma fantasia política e outros textos, primeiro romance de um escritor indispensável no cenário literário brasileiro contemporâneo, que muito tem se empenhado para que a literatura dê voz aos vencidos, encontre desaparecidos, faça-lhes justiças imaginárias, propicie redenções que as oportunidades não fizeram acontecer, palavras de Marcelo Rubens Paiva, em texto publicado na revista 451, citado por Kucinski no livro ora resenhado. Boa leitura!

Resenha originalmente publicada na Revista Sepé, n. 13, ago/dez 2024.
Disponível em: https://revistasepe.art.br/2024/12/11/mataram-o-presidente-uma-fantasia-politica-e-outros-textos-de-bernardo-kucinski/

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